Ikkyu: Poeta, monge e herÓI da contracultura

Allen Ginsberg, Leonard Cohen, Patti Smith... O poeta e editor Márcio Simões fala da influência de Ikkyu na cultura japonesa e na contracultura ocidental
25 de junho de 2025 por
Ikkyu: Poeta, monge e herÓI da contracultura
Editora Veneta

Uma entrevista por Rogério de Campos


Márcio Simões é poeta, e editor da Sol Negro, uma editora do Rio Grande do Norte que tem publicado belos livros artesanais de autores como William Blake, Mallarmé, Peter Lamborn Wilson, Gregory Corso, Floriano Martins e Ikkyu Sojun. No caso de Poemas da Nuvem Louca, de Ikkyu, o tradutor é o próprio Márcio Simões.


No momento em que já está em pré-venda o volume 4 (e final) do monumental mangá Ikkyu, no qual Hisashi Sakaguchi conta a história do mais famoso monge do budismo japonês, conversei com Márcio Simões a respeito da poesia de Ikkyu e sua influência na cultura japonesa e na contracultura ocidental.  



Trecho de Ikkyu: Vento (風).


Como você teve contato com Ikkyu? Esse primeiro contato foi com o personagem histórico ou foi com sua poesia? 

Estava pesquisando poesia religiosa de autores anticlericais (como Kabir ou Khayyam no mundo muçulmano), já com intenção de traduzir, e me deparei com o livro “Extraordinary Zen Masters”, de John Stevens, que traça um perfil de Ikkyu, vertendo e comentando alguns de seus poemas. Acho que sua poesia sempre chegou no Ocidente fortemente entrelaçada ao seu personagem histórico e cultural e à sua “mitologia”, digamos assim, em relação ao conjunto de lendas e histórias em que sua vida está envolta. Embora se possa afirmar que o padrão na cultura japonesa seja valorizar o impessoal e a contenção emocional, Ikkyu sempre foi biográfico e passional em seus poemas, e podemos inscrevê-lo entre os poetas em que vida e obra não são realizações distintas, mas se expressam como um único impulso vital.

Qual a importância de Ikkyu na poesia e nos outros aspectos da cultura japonesa?

É difícil dimensionar a influência direta de sua própria poesia. A maior parte da qual escreveu em Chinês Clássico Kanbun, que é – dito de forma simplificada – uma forma de escrever (e ler) o chinês a partir do japonês. Assim foi escrita a maioria da literatura japonesa até o final do século 19. De modo que, mesmo tendo sido um dos primeiros a escrever poemas doutrinários em japonês coloquial, o japonês médio de hoje dificilmente consegue ler os poemas chineses de Ikkyu. Já no campo da cultura sua influência é ampla e mesmo impressionante. Ainda no período histórico seguinte ao que viveu, Edo, tornou-se um personagem lendário da cultura popular, em torno do qual criaram-se inúmeras histórias e causos exemplares, e sua vida continua sendo contada em desenhos animados e quadrinhos nos dias de hoje. Da mesma forma, por meio de seus inúmeros discípulos, entre os quais mulheres e pessoas leigas – coisa inédita e desafiadora na época –, teve atuação determinante na popularização do Zen, e sua influência cultural é reconhecida nos principais elementos que ficariam marcados no nosso imaginário como distintamente japoneses, como a caligrafia, o haicai, o teatro nô e a cerimônia do chá. Foi ele mesmo um mestre Zen e calígrafo notável, e seus discípulos – como o pintor Bokusai, o dramaturgo Komparu Zenchiku, o poeta Socho ou o mestre do chá Murata Shuko – foram todos expoentes históricos com atuação fundadora em seus campos artísticos.

Poema com a caligrafia de Ikkyu Sojun (1394-1481), século XV.


Pode-se dizer que Ikkyu como personagem histórico teve sua influência na contracultura ocidental. O escritor Tom Robbins é um dos que declararam que Ikkyu é seu ídolo. Mas como tem sido a leitura de sua poesia no Ocidente?

Pelo menos desde os anos 1960 tem sido lido e influenciado inúmeros poetas e artistas (é citado por gente como Allen Ginsberg, Leonard Cohen ou Patti Smith, por exemplo). Há traduções de sua poesia para praticamente todas as principais línguas ocidentais, normalmente feitas por outros poetas e lançadas por pequenas editoras (que é como normalmente circula a poesia). Mas mesmo fora dos circuitos comerciais de massa, parece sempre ter chegado aos interessados. E a contracultura o celebrou como exemplo de irreverência, humor e individualismo libertário, abraçando sua dimensão crítica e anticlerical. No entanto, só nas últimas décadas, me parece, tem sido traduzido a partir do original e de forma mais criteriosa, especialmente no mundo de língua inglesa.

Os poetas Allen Ginsberg e Patti Smith, junto do escritor William Burroughs, 1977.


Rogério de Campos é autor de livros como Um Santo em Marte, O Segredo da Sedução do Inocente Revanchismo

Márcio Simões é poeta, tradutor e editor. Autor de O Pastoreio do Boi: XII poemas sobre uma parábola Zen (2008) e Fúrias de Orfeu (2016). Diretor da Sol Negro Edições.


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